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O que esperar dos próximos meses na política brasileira

Após a bravata bolsonarista do dia 25, o Brasil começa a retomar a normalidade e rumar para as eleições municipais. É um erro, contudo, achar que a polarização se enfraqueceu

Por carta capital em 05/03/2024 às 13:15:43

Passado o Carnaval e a manifestação bolsonarista de 25 de fevereiro – que não teve sucesso em mudar o rumo dos acontecimentos, a política brasileira entra em uma fase de "normalidade" institucional que vai durar até o começo do período eleitoral, em agosto.

Salvo um ou outro contratempo eventual, a dinâmica será marcada pelo presidente Lula percorrendo o país, inaugurando obras e desenvolvendo suas políticas públicas para entregar crescimento econômico e uma melhora de vida concreta para o povo em áreas como saúde e educação; e pela oposição buscando fustigar o governo no parlamento, seja com tentativas de constranger ministros e líderes com convocações, seja com as mobilizações em torno da agenda conservadora no campo dos direitos e da diversidade.

Em paralelo, as investigações sobre o movimento golpista liderado por Bolsonaro seguirão seu curso. De um lado, os presos d0 8 de Janeiro continuarão a ser julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, STF e PF avançarão na comprovação da existência do núcleo político do golpe – composto pelo ex-presidente Bolsonaro e seu entorno, tanto dos militares quanto de políticos, além por óbvio de sua família. Entretanto, o mais provável é que não tenhamos nenhuma prisão nesse eixo da investigação nos próximos meses.

Algumas exceções a essa calmaria devem se apresentar. Por exemplo, é certeza que veremos novas manifestações da insatisfação de Artur Lira com o ritmo lento da execução das emendas, o que atrapalha seus planos de se perpetuar no poder na Câmara. Outro foco de turbulência será a janela partidária para as eleições municipais de 2024, quando conflitos entre os partidos pelas candidaturas mais sólidas podem subir um pouco tom. Isso pode ocorrer sobretudo em capitais e cidades com segundo turno cujo cenário ainda está nebuloso, como é o caso de Belo Horizonte, entre outras.

Entretanto, é um erro considerar que essa rotinização dos conflitos na arena institucional significam que a polarização se enfraqueceu. Pelo contrário, as manifestações mais agudas dos conflitos em nossa sociedade continuarão a ocorrer nos próximos meses. Na verdade, elas vêm ocorrendo agora, enquanto esse texto foi escrito e enquanto você o lê.

Um caso dramático vem sendo protagonizado pela Polícia Militar de São Paulo, com anuência do governador Tarcísio Freitas, que autorizou as forças policiais paulistas a ocupar o território do Guarujá para vingar a morte de policiais. Essa operação já causou 39 mortes de supostos "criminosos", além de diversas denúncias de torturas, invasão de domicílio sem mandatos, entre outras. No mesmo sentido vai o "movimento" Invasão Zero, que vem se constituindo enquanto uma milícia armadas de setores do agronegócio contra os povos indígenas, quilombolas e camponeses sem terra. Essas agro-milícias contam com 15 mil membros filiados, já causando a morte de lideranças indígenas e, o que é pior, agem à luz do dia e com apoio das forças policiais nos Estados.

Infelizmente as violências que marcam nossa polarização social e política não se restringem apenas a essas graves manifestações explícitas, mas também atravessam a prática cotidiana de instituições cuja missão é – ou deveria ser – o de combater as múltiplas desigualdades que atingem o povo brasileiro. O caso recente da USP impedindo a matrícula de um jovem cotista de medicina é ilustrativo das dinâmicas institucionais que contribuem para aumentar a raiva e a indignação das pessoas com as instituições e com a democracia como um todo.

Outros focos de conflitos sociais se apresentam e a única dúvida sobre eles é quando e como irão explodir. Um exemplo cada vez mais numeroso é o dos trabalhadores por conta própria e plataformizados sem direitos. Temos em nossa população economicamente ativa um contingente enorme de pessoas trabalhando por conta própria, espalhados em diversos tipos de informalidade e pequenos empreendimentos. A quase totalidade dessa classe trabalhadora atua sob o jugo da mediação das plataformas com seus algoritmos obscuros e é carente de políticas públicas específicas, bem como de uma rede de proteção social preparada para suas especificidades. A esquerda em geral patina com esse segmento ao defender de um modo abstrato a extensão da lógica da CLT para essas trabalhadoras e trabalhadores, algo que eles rejeitam em sua maioria. O governo Lula enviou um projeto de Lei ao Congresso que parece avançar neste sentido, porém só alcança os motoristas de aplicativos.

Outra dimensão que merece atenção das forças democráticas é a da população evangélica, que alcança hoje (segundo estimativas baseadas no Censo de 2022) 30% das brasileiras e brasileiros. Esse segmento segue em disputa, com uma ação organizada da extrema-direita para hegemonizá-lo e com as esquerdas ainda sem saber como estabelecer uma relação baseada na alteridade e na empatia com as e os crentes.

Em suma, às dimensões do racismo, das novas configurações de classe, o trânsito religioso, se somam questões como os eventos climáticos extremos, a violência de gênero, as desigualdades regionais, entre outros, que desafiam a nossa democracia e mantém a polarização social e política ativada em meio à rotina das instituições.


Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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