Após dar aval ao acordo que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, os auxiliares escalados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do tema anunciaram que buscarão reabrir o debate com o Congresso e tentar reverter mudanças feitas na medida provisória que reorganizou a Esplanada. Além de uma base frágil, o tempo joga contra o Palácio do Planalto: a MP precisa ser apreciada até a semana que vem, sob pena de voltar a vigorar a estrutura deixada por Jair Bolsonaro a partir de 1º de junho. Caminhando no sentido oposto, o Parlamento já planeja novas derrotas à agenda liderada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente).
Já como uma porta de saída, no mesmo discurso em que defenderam diálogo com o Congresso, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também pontuaram que as mudanças feitas pelos parlamentares não impedem a implementação do programa de governo.
Lula convocou Marina, Padilha, Costa, a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e líderes no Congresso após a aprovação, em comissão mista, do relatório apresentado pelo deputado governista Isnaldo Bulhões (MDB-AL). O texto retirou do Meio Ambiente o controle do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Agência Nacional de Águas (ANA). A demarcação de terras indígenas foi deslocada da pasta de Guajajara para o Ministério da Justiça, de Flávio Dino.
De acordo com a colunista Vera Magalhães, do GLOBO, Marina disse a portas fechadas que as políticas ambientais foram atacadas pelo Congresso, mas que ficará no cargo. Também durante a reunião, o Planalto deixou claro que a prioridade é evitar que o texto piore. Uma ala da Câmara planeja uma mudança que permitiria que licenças ambientais fossem emitidas por estruturas além do Ibama, como o Ministério de Minas e Energia, que está no centro de uma disputa com o órgão ambiental.
Uma possibilidade analisada internamente é que pastas que perderam funções tenham participação na definição de políticas públicas que foram redirecionadas para outros ministérios. O Planalto trabalha por uma gestão compartilhada, por exemplo, entre as pastas de Meio Ambiente e Integração na ANA.
Relator da medida provisória e aliado do governo, Bulhões indicou que a margem de negociação com o Congresso é curtíssima.
— As prerrogativas do nosso governo estão asseguradas. As mudanças apresentadas no texto estão em convergência com o governo — reforçou o relator ao GLOBO.
A pressão do Congresso sobre Marina, cujo ministério tem pouco apoio político, na definição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não se limitará às derrotas desta semana. Logo depois da votação do marco temporal das terras indígenas, prevista para terça, a bancada ruralista tem como uma prioridade um projeto que prevê indenização para proprietários cujas terras passaram a ser consideradas reservas indígenas. Outra é avançar com o texto que amplia o número de agrotóxicos que podem ser usados no país, apelidado de "PL do Veneno" por ambientalistas.
A proposta de indenização aos donos de terras já foi aprovada pelo Senado e está em análise na Câmara, onde é o próximo da lista da bancada próxima ao agronegócio. Assim como em outros temas que opõem ambientalistas e ruralistas, o projeto divide membros do governo. Uma ala vê a indenização como uma ferramenta para pacificar a questão da demarcação das terras indígenas. Por outro lado, o ministério de Sonia Guajajara resiste.
Já a proposta que amplia a quantidade de defensivos agrícolas está no Senado. Ainda que sob a relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), ruralistas acreditam que o texto pode avançar neste semestre. Na quarta-feira, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, deve participar de uma audiência pública sobre o assunto.
Outro tema com potencial de desgaste para Marina, este fora do Congresso, é a renovação da licença da hidrelétrica de Belo Monte. Para interlocutores, como a usina já está em funcionamento, a ministra não vai se opor, mas a expectativa é de uma análise detalhada sobre os critérios técnicos.
Em meio ao turbilhão, o deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, diz que a ministra não foi "abandonada":
— Não vejo abandono. Mas faltou uma articulação maior entre o Congresso e o Ministério do Meio Ambiente
Em público, nesta sexta-feira, Rui Costa tentou passar o tom de unidade, pedido por Lula, e afirmou que o governo intensificará as conversas.
— Vamos trabalhar no Congresso para que a essência das políticas públicas permaneça. Precisamos reafirmar a prerrogativa de quem ganhou a eleição — afirmou.
Costa classificou como "inócua" a discussão sobre o CAR, cujo comando passou do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão. O ministro ponderou que o acesso às informações acrescentadas pelos proprietários rurais seguirá aberto para os órgãos do governo. Ele pontuou ainda que apenas a homologação das terras indígenas foi deslocada para a Justiça e que as fases anteriores do processo seguem no ministério de Guajajara.
Padilha acrescentou que as conversas com o Congresso continuarão ocorrendo para que sejam feitos os "aprimoramentos necessários".
— Vamos dialogar até o último momento de votação, para que o texto final tenha o espírito da MP inicial — disse Padilha, descartando uma ação no Supremo Tribunal Federal.
Enfraquecimento do Ibama
Uma ala da Câmara articula apresentar uma emenda em plenário para incluir a possibilidade de licenças ambientais serem autorizadas por outros órgãos além do Ibama, como o Ministério de Minas e Energia. O texto será votado na semana que vem.
O projeto, que está no Senado, concentra a atribuição de autorizar o uso de agrotóxicos no Ministério da Agricultura, desde que com aval da Anvisa. Hoje a decisão é compartilhada com o Meio Ambiente. O texto também amplia a quantidade de defensivos permitidos. O texto está na Comissão de Meio Ambiente, e ruralistas pressionam pela votação.
Uma PEC já aprovada pelo Senado e pela CCJ da Câmara prevê indenização para donos de terras que passaram a ser consideradas reservas indígenas. A proposta divide o governo. A bancada ruralista quer priorizar o tema após a votação do marco temporal das terras indígenas, que deve ocorrer na semana que vem.
Também no Senado, o projeto amplia em quase dez anos o prazo para regularização de terras invadidas e facilita os procedimentos. O parecer favorável na Casa é de Carlos Fávaro, hoje ministro da Agricultura.